As eleições a prefeitura de São Paulo, neste ano, tem sido
debatida sob a ótica de que algo novo e até aqui inexplicável, teria tomado
corações e mentes dos eleitores. O impacto da ascensão de Russomano nas
pesquisas, um candidato com pouco tempo de TV e fora dos dois partidos que
antes eram vistos como os que polarizariam a eleição (Haddad pelo PT e Serra
pelo PSDB) abriu espaço para várias reflexões, na maioria das vezes centrada
nos perfis dos candidatos.
Um possui grande rejeição, outro é desconhecido, outro é novo na
disputa, mas conhecido na mídia. Um tem apoio dos evangélicos, outro tem apoio
dos católicos, etc. São várias as análises. Todas válidas. Mas prefiro pensar
sob o ponto de vista do eleitor. Ou melhor, sobre a composição do eleitorado.
As reflexões que exponho a seguir tiveram como ponto central a
entrevista de Boris Fausto ao Estadão, em 16 de setembro de 2012. Antes, porém,
já organizava estas ideias por conta da releitura de uma análise do cientista
político Wanderley Guilherme dos Santos, de alguns anos atrás, bem como de
outras matérias e entrevistas publicadas no mesmo jornal.
Com isso procuro trazer novos elementos a análise do processo
eleitoral paulistano, ou ao menos aprofundar um dos elementos fundamentais sobre
o comportamento desse eleitorado, afirmando que com um olhar mais atento as
mudanças recentes de nossa sociedade, não há surpresa na atual situação.
ELEMENTOS JÁ LEVANTADOS
Em seu espaço na página do Estadão,
José Roberto de Toledo trouxe bons argumentos para explicar o tal fenômeno. Em
resumo, seriam sete os motivos para a liderança de Russomano: (1) rejeição a Kassab, que recai sobre Serra; (2)
Russomano como nome já conhecido na política; (3) como um comunicador com longo
tempo em programas de televisão; (4) candidato que caiu no gosto de alguns
nichos, como os evangélicos; (6) eleitores consumidores, antes de cidadãos, que
se identificam com o “defensor dos direitos do consumidor”; (7) tentativa de
polarização entre Haddad e Serra, sem atenção desses a Russomano.
O mesmo
analista político, em outro texto, observou que em São Paulo nenhum presidente
ou ex-presidente conseguiu eleger um prefeito.
Com especial
atenção ao sexto motivo, quero trazer novas observações.
O HORIZONTE DO DESEJO
Recentemente reli o livro "horizonte do desejo:
instabilidade, fracasso coletivo e inércia social", de Wanderley Guilherme
dos Santos, onde (como deixa claro o título) ele faz uma reflexão sobre a tão
falada apatia política da população brasileira. Para análise ele lança mão de
dados que evidenciam as grandes mudanças pelas quais o Brasil passou
nos últimos 50 anos (anos 1950 até 2000): expansão demográfica no
geral; expansão demográfica urbana; observa que passamos de uma situação onde
poucos eram cidadãos e tinham seus direitos respeitados, a uma época em que
todos são cidadãos perante a constituição, mas a cobertura de direitos é
insuficiente; a megaconversão cívica que tornou o direito ao voto realmente
universal, com a criação de inúmeras zonas e seções; apesar da visível
inclusão, a desigualdade continua. Ou seja, há uma situação em que tudo muda,
mas que parece permanecer tudo igual. Assim vivemos durante muitos anos. Sua
tese é a de que a melhora econômica e o maior acesso de grande parte da
população de baixa renda aos bens de consumo não provoca a sensação de ascensão
social porque a diferença da condição de vida para as pessoas do topo da renda
permanece grande ou aumentava ainda mais (a desigualdade), de modo que a
participação não traz a perspectiva de melhora das condições de vida, mas os
custos da participação podem ser muito altos. Romper este limiar, isto é,
ter a real percepção de melhora em suas condições de vida é o que faria a
população almejar novos patamares, coisa que só acontece com a sensação de queda
na desigualdade.
O livro foi publicado em 2006 e, portanto a pesquisa foi realizada
nos anos anteriores, antes da tão falada emergência da classe C. Fiquei
pensando como isso estaria influenciando o eleitorado hoje. Se essa pesquisa
fosse continuada, que resultados trariam?
A recente publicação da PNAD 2011 atesta que, de fato, há um
movimento de diminuição da desigualdade social. Porém, não sabemos a partir de
que ponto a diminuição da desigualdade produz uma maior sensibilidade de
ascensão. Isto é, as pessoas estão sentido que a desigualdade está diminuindo?
Óbvio que o discurso governamental exacerba o alargamento da classe média, mas
os dados estão ai, e nos mostram que as famílias brasileiras estão comprando
cada vez mais, viajando mais, estudando mais. E neste ponto começo a enxergar
uma nova configuração para o comportamento do eleitor paulistano. Com o “desenvolvimento”
baseado na elevação da renda – que se dá pelo trabalho, pela diminuição do
desemprego – e consumo (de geladeiras, carros, etc.), a percepção que aflora é
a da melhora material, vivida em sua residência, portanto no mundo privado.
Porém, ainda temos sérias deficiências nos serviços públicos.
Creio que as eleições em São Paulo podem evidenciar a sobreposição do
eleitor consumidor sobre o eleitor cidadão. Isto é, a sensibilidade do
eleitorado ainda não alcançou a percepção de que a melhoria na qualidade de
vida do seu vizinho (um bom transporte público para ele, uma boa escola pública
para o filho dele, o acesso a saúde para a família dele) é também melhora na
sua qualidade de vida. Nesta lógica, além da garantia de poder continuar
comprando (que cada um quer assegurar, e é justo), também se abre espaço para a
questão da segurança como vigilância policial em todos os espaços, câmeras,
muros altos etc. No transporte: mais espaço para andar com o carro novo. Na
saúde: se posso pagar pela saúde privada ou se minha empresa me oferece um
plano privado, a saúde pública deixa de ser um problema. Se meu filho estuda em
uma escola particular, a pública deixa de ser problema (e hoje há escolas muitas
escolas particulares, até nas periferias, com qualidade de ensino ruim, mas que
se passa por boas escolas pelo simples fato de cobrar, de ser particular). Enfim,
a preocupação com o funcionamento
da cidade é visto sob a ótica das necessidades pessoais, individuais, não
coletiva. Importante destacar que estou apenas tentando enxergar o tipo de
racionalidade do voto, e não fazer julgamentos de valor. Sinto que, por
exemplo, o tema da participação popular não é relevante para as campanhas,
embora os candidatos tenham que falar para agradar a certa parcela da
população.
Na obra de 2006 W.G. Santos afirmava que
o
Brasil encontra-se, muito possivelmente, aquém do limiar de sensibilidade
social, e assim tem convivido, pacificamente, com a miséria cotidiana, material
e cívica, sem gerar grandes ameaças. Aqui, o horizonte do desejo é puro desejo,
sem horizonte.
De acordo com meu raciocínio, já estamos vivendo essa mudança na
sensibilidade, mas ainda no espaço privado, da sensação de poder de compra. Quem me dá esperanças de uma mudança também na
sensibilidade social é o filósofo Eduardo Giannetti, que em entrevista ao Estadão
em 19 de agosto de 2012, ao tratar do consumismo no Brasil, fez a seguinte
observação:
Há um
momento de deslumbramento diante dessas novas possibilidades, o que é natural,
pois essas pessoas tiveram uma demanda reprimida durante diversas gerações. Por
isso elas vão com muita sede ao pote, que lhes foi negado por muito tempo. Mas
esse deslumbramento não pode durar para sempre. Em certo momento, a sociedade
precisará amadurecer. E as pessoas, principalmente dessa nova classe média, vão
precisar pensar no futuro.
CONCLUSÃO
Concluo este
ensaio dizendo que talvez não haja surpresas no comportamento do eleitor
paulistano. Penso estar equivocada a tese de que nesta cidade temos um
eleitorado “conservador”. Já tivemos mudanças bruscas no comando da prefeitura,
como na eleição de Luiza Erundina em 1989. O
que parece pesar mais na escolha é a aprovação da Prefeitura no momento da
eleição (e não só aqui em
São Paulo ). Penso que por isso Serra tem tanta rejeição nesta
eleição. Além de ser uma figura já bastante conhecida, identificada com o PSDB,
foi Serra quem levou Kassab a prefeitura e agora está como candidato da
situação. Somando a rejeição da administração Kassab com a de Serra, dá nessa
queda que pode deixá-lo fora do segundo turno.
Por outro lado, os pontos colocados por Toledo
sobre o fenômeno Russomano são, a meu ver, convincentes. Acrescentando a isso a
importante, mas torta, mudança socioeconômica que o país vive, temos elementos
para enxergar a racionalidade do voto, e também da indecisão que transparece
nas pesquisas eleitorais.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Horizonte do desejo: instabilidade, fracasso
coletivo e inércia social. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.
GREENHALGH, Laura. O crivo de quem usa a cidade.
Entrevista com Boris Fausto. Site Estadão, 16 de setembro de 2012.
Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-crivo-de-quem-usa-a-cidade-,931328,0.htm
SAYURI, Juliana. Nem sei se posso, mas quero. Entrevista
com Eduardo Giannetti. Site Estadão, 19 de agosto de 2012. Disponível em:
TOLEDO, José Roberto de. Fenômeno não é acidente. Blog Voz Publica.
Site Estadão, 09 de setembro de 2012. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2012/09/09/fenomeno-nao-e-acidente/
TOLEDO, José Roberto de. Presidente pé-frio. Blog Voz Publica.
Site Estadão, 17 de setembro de 2012. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2012/09/17/presidente-pe-frio/
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